Introdução
A existência de pedra nos rins é conhecida desde os tempos de Hipócrates, o pai da medicina, fato lembrado por todos os médicos que, ao se formar, realizam o “Juramento de Hipócrates”. Este juramento contém a frase “...não praticarei a cirurgia de talha perineal...” uma referência a um procedimento comum na época para tentar curar as pessoas que tinham muitas crises dolorosas renais. Como as cirurgias na época eram realizadas sem anestesia e sem os cuidados de anti-sepsia conhecidos hoje, a maioria das pessoas morria após este procedimento, fato que gerou a introdução desta frase no juramento.
A litíase renal chega a afetar 5% da população dos países
industrializados. Até há alguns anos, esses cálculos eram tratados
com cirurgia aberta, determinando uma morbidade muitas
vezes maior do que a da doença em si. O aparecimento de
técnicas mais modernas de tratamento de cálculo fez com que a
cirurgia aberta ficasse reservada para casos bastante complexos.
Atualmente, a maior parte dos cálculos pode ser tratada de forma
não-invasiva através de litotripsia extracorpórea por ondas de
choque, dispensando a necessidade de anestesia.
O aparecimento destas técnicas fez com que se estabelecessem
critérios de seleção para as diferentes formas de tratamento
da litíase. O tamanho do cálculo, sua composição e sua
localização anatômica são de grande importância na seleção
do tratamento ideal.
Aspectos epidemiológicos
A litíase urinária afeta a população numa proporção de
três homens para cada mulher, principalmente na faixa entre
20 e 50 anos de idade. Os países industrializados e de clima
tropical têm maior incidência de cálculo urinário quando comparados
aos países em desenvolvimento, fato decorrente das diferenças
entre o tipo de alimentação e da perda hídrica pelo suor.
Observa-se também que essa doença acomete mais os indivíduos
que compõem as camadas mais altas da pirâmide social.
A história familiar de litíase urinária aumenta em cerca de
duas vezes a probabilidade de um indivíduo apresentar a doença.
O que é pedra nos rins e qual é a sua causa ?
A litíase urinária ou cálculo renal é muito comum em nossa região. É quatro vezes mais comum nos homens que nas mulheres. Estima-se que qualquer ser humano normal possa ter uma pedra nos rins em algum momento de sua vida. Isto ocorre por que a urina dos seres humanos contém, naturalmente, diversos elementos que podem se juntar e formar uma pedra (cálcio, ácido úrico, oxalato, fosfato). Estas substâncias são produzidas diariamente pelo metabolismo normal do organismo e eliminadas na urina, onde estão diluídas em água. A falta de água para dissolver estas substâncias ou o excesso de uma delas são condições que favorecem o surgimento das pedras ou cálculos nos rins. As condições da vida moderna, onde as pessoas vivem em ambientes quentes, transpiram bastante e ingerem pouco líquido são as principais causas da litíase urinária.
As pedras são de vários tamanhos e possuem uma composição diversa. As mais comuns são de cálcio (oxalato e fosfato de cálcio), mas existem algumas formadas por ácido úrico, fosfato amoníaco magnesiano e cistina. Em pacientes que tomam o medicamento Indinavir – para controle do HIV – podem surgir os chamados cálculos de indinavir.
Outras causas de pedra nos rins são as doenças que produzem excesso de algum dos elementos formadores de cálculos na urina (exemplo: hipercalciúria – excesso de cálcio na urina). Nestas doenças, há um defeito nos rins e/ou no metabolismo do organismo, que leva à produção e eliminação de uma quantidade maior que o necessário de algum desses elementos. Pode haver também, a falta de uma substância inibidora da formação de cálculos (exemplo: hipocitratúria – falta de citrato na urina). Finalmente, as pedras nos rins podem ser formadas quando existem certas doenças que impedem o fluxo natural de urina no aparelho urinário (obstrução urinária). Nestes casos, a urina fica acumulada em um setor do aparelho urinário, onde surgem condições físico-químicas para a precipitação e cristalização de partículas que dão origem aos cálculos. Mais ainda, pode haver infecção por certos tipos de bactérias que são formadoras de pedra nos rins.
Cálculos de oxalato de cálcio
É o tipo mais comum de cálculo renal, isolado ou associado
a fosfato, correspondendo a mais de 65% de todos os
cálculos renais. A causa mais comum de cálculos de oxalato
de cálcio é a hipercalciúria idiopática (aumento dos níveis de
cálcio urinário sem aumento do cálcio sérico). Os mecanismos
envolvidos na hipercalciúria estão relacionados a um aumento
na absorção intestinal de cálcio (hipercalciúria absortiva),
perda renal de cálcio ou aumento da desmineralização
óssea. Outras causas de hipercalciúria incluem:
• hiperparatireoidismo primário,
• doenças granulomatosas,
• feocromocitoma,
• uso de glicocorticóides,
• hipertireoidismo,
• hipocitratúria,
• hiperuricosúria e
• hiperoxalúria.
Cálculos de estruvita
Os cálculos compostos de estruvita (fosfato amôniomagnesiano)
são relacionados à infecção urinária por germes
produtores de urease, principalmente Proteus mirabilis e Klebsiella.
Representam o tipo mais comum de cálculo coraliforme.
A presença de urease promove a hidrólise da uréia, que
por sua vez produz uma base (amônia) que não é completamente
neutralizada. Este fato provoca aumento do pH urinário
e deposição dos cristais de estruvita.
Cálculos de ácido úrico
A litíase de ácido úrico está relacionada a pH urinário
baixo, pouca ingestão de líquidos e hiperuricemia, geralmente
secundária a dieta rica em purinas ou a distúrbios metabólicos,
como gota. Quando não estão associados a oxalato de
cálcio, os cálculos de ácido úrico são radiotransparentes.
Cálculos de cistina
Ocorrem em pacientes com cistinúria, que é uma doença
autossômica recessiva relacionada ao transporte intestinal e
renal da cistina.
Cálculos de sulfato de indinavir
Desenvolvem-se durante o tratamento de pacientes portadores
do vírus tipo I da imunodeficiência (HIV-1), em tratamento
com o inibidor da protease denominado sulfato de
indinavir. A incidência de nefrolitíase e sintomas do trato uri-
nário devido à formação de cristais de indinavir varia de 3% a
20% dos pacientes em tratamento.
Por que aparecem as pedras nos rins? Há como evitá-las?
É muito comum ouvirmos casos de pessoas que sofrem com pedras nos rins. Porém, nem sempre sabemos ao certo o que são elas, como surgem e se podemos fazer algo para evitá-las. Podem apresentar o problema pessoas de qualquer idade. Porém, é mais freqüente em indivíduos na faixa de 20 a 50 anos. Outra questão bastante interessante é que existe fator hereditário envolvido na patologia, ou seja, filhos de pais com pedras nos rins terão mais predisposição a tê-las também.
Quadro clínico
A dor tipo cólica é o sintoma mais freqüente de litíase
urinária e está diretamente associada à obstrução aguda do
sistema coletor. Assim, pequenos cálculos localizados nos cálices
geralmente não são causadores de um quadro agudo de
dor lombar. Os cálculos localizados na pelve renal podem produzir
obstrução intermitente do sistema coletor e portanto são
capazes de promover dor em cólica nos períodos em que determinam
obstrução. Os cálculos coraliformes estão associados
a quadros oligossintomáticos, já que na maior parte das
vezes não provocam obstrução do fluxo urinário.
A presença de febre junto a um quadro de cólica renal
alerta para a possibilidade de infecção urinária associada. Se
houver obstrução do trato urinário concomitante ao quadro
infeccioso, existe risco elevado de sepse urinária e a desobstrução
deve ser efetuada imediatamente.
A forma mais eficiente de tratamento da cólica renal é o
uso de antiinflamatórios não-esteróides, inibidores das prostaglandinas.
As prostaglandinas são as substâncias mais implicadas
no mecanismo da dor, pois estimulam a contração da
musculatura lisa do sistema coletor. A administração de antiespasmódicos,
apesar de freqüente, não promove melhora significativa
do quadro clínico. A hiperidratação (oral ou venosa),
na tentativa de aumentar o fluxo urinário e forçar a eliminação
do cálculo deve ser evitada, já que está associada a uma
maior distensão do sistema pielocalicinal, com conseqüente
piora da dor.
Quais são as conseqüências que uma pedra pode causar nos rins?
Quando uma pedra é formada no rim ela pode causar diferentes tipos de situação. É possível permanecer no local de origem durante bastante tempo (meses ou anos) sem causar nenhum problema. Pode acontecer o crescimento da pedra levando a obstrução do fluxo urinário. Quando a obstrução ocorre, pode surgir uma dor súbita na região lombar (onde se localiza o rim afetado), de forte intensidade, muitas vezes acompanhada de náuseas e vômitos e que leva a pessoa a procurar um pronto socorro. A pedra pode, também, ser expelida naturalmente junto com a urina, sem ser percebida ou sentida. Finalmente, os cálculos urinários podem causar infecções urinárias e serem descobertos apenas pelas manifestações destas infecções. A situação mais comum é aquela onde existe um cálculo renal pequeno, com ou sem dor, eliminável pelas vias naturais, sem infecção. Dores recorrentes, infecções graves, formação de cálculos sucessivos podem ocorrer, mas são situações incomuns.
Como se faz o diagnóstico de pedra nos rins ?
Quando um médico suspeita que um paciente possa ser portador de cálculos urinários, solicita exames que possam comprovar esta hipótese. Entre estes exames pode-se citar a ultra-sonografia, a radiografia dos rins (urografia venosa) e o exame de urina. Estes exames têm como objetivo localizar a pedra, determinar como está o fluxo urinário (se houver acúmulo de urina as vias urinárias podem ficar dilatadas, um fenômeno chamado de hidronefrose) e verificar se já existe infecção.
Exames complementares
Exame de urina - Pode revelar hematúria microscópica
e apontar sinais sugestivos de infecção urinária. Além disso, a
identificação do tipo de cristal presente na urina é capaz de
ajudar na identificação do tipo de cálculo existente. A ausência
de hematúria microscópica, cristalúria ou piúria não exclui
o diagnóstico de litíase. Por outro lado, a presença de
cristalúria no exame de urina não confirma o diagnóstico
de litíase, constituindo apenas um fator de risco para o seu
aparecimento. Tendo em vista a grande associação entre litíase
e infecção urinária é recomendável a realização de urinocultura.
Ultra-sonografia (USG) - É eficiente para a avaliação
de litíase renal, sendo capaz de analisar a integridade do parênquima
renal e o grau de dilatação do sistema coletor. É
capaz de detectar cálculos radiopacos e radiotransparentes, mas
pode não identificar cálculos de pequenas dimensões.
Radiografia simples de abdome - Quando associada à
USG, pode diagnosticar a maior parte dos cálculos renais. Isoladamente,
é capaz de diagnosticar cerca de 85% dos cálculos
urinários, mas sua sensibilidade está diretamente relacionada
à opacidade do cálculo ao raio X. No diagnóstico diferencial
das concreções radiopacas localizadas na loja renal devemos
incluir: litíase biliar, calcificações vasculares intra-renais, calcificações
da articulação costocondral e calcificações pancreáticas.
Urografia excretora (urografia venosa) - É o melhor
método de avaliação do paciente com litíase renal e em nossa
opinião deve ser solicitada sempre que se pretende instituir
alguma forma de terapia. A urografia venosa permite avaliar a
integridade do parênquima, a função renal – através da concentração
e velocidade de eliminação do meio de contraste –,
a presença de obstrução ao fluxo de urina e a anatomia do
sistema coletor do rim.
Tomografia computadorizada (TC) - Tem sido cada vez
mais usada, principalmente a TC “spiral”, em casos de cólica
renal e é capaz de identificar quase todos os tipos de cálculos
e de dilatação do ureter.
Observação - Os cálculos de sulfato de indinavir são de
difícil diagnóstico com quaisquer dos métodos de imagem
descritos anteriormente, inclusive a TC. A ultra-sonografia é
o método que melhor faz o diagnóstico de litíase por indinavir,
principalmente pela presença de hidronefrose
Métodos de tratamento da litíase renal
Litotripsia extra-corpórea por ondas de choque (LEOC)
A LEOC passou a ser utilizada no tratamento da litíase
renal no início da década de 80 e é atualmente a forma mais
comum de tratamento desta doença.
O método baseia-se na emissão de ondas acústicas de
maior amplitude e menor freqüência que as ondas ultra-sônicas.
Por isso perdem pouca energia ao atravessar os tecidos. As
ondas de choque caracterizam-se pela geração em curto espaço
de tempo de um súbito gradiente de pressão em um pequeno
espaço físico. Estas ondas são capazes de promover a fragmentação
de materiais que tenham densidade acústica diferente
daquela em que a onda foi gerada. Quando a energia
mecânica produzida pela onda acústica ultrapassa a força de
coesão do cálculo, este é, então, fragmentado.
Como é uma forma de tratamento não-invasiva e com
baixo índice de complicação, a LEOC ganhou rápida aceitação
no meio urológico. Praticamente todos os cálculos renais
passaram a ser tratados por inúmeras sessões de LEOC, já que
difundia-se a idéia de que o método era inócuo. Ao contrário,
diversas complicações podem advir do uso indiscriminado da
LEOC: hematúria macroscópica, hematoma renal, necrose
tubular, hipertensão arterial, urosepse, obstrução ureteral e
lesão renal caracterizada pelo aumento dos marcadores da função
renal e pelos métodos de imagem. Além disso, diversas
sessões de LEOC, muitas vezes com a colocação de cateteres
ureterais mantidos por longo período, acabam apresentando
maior morbidade para os pacientes que os métodos percutâneos
de tratamento da litíase renal.
Entre as contra-indicações de LEOC podemos incluir: gravidez,
coagulopatia grave, hipertensão arterial não controlada
e obstrução urinária distal ao cálculo. Pacientes que estejam
usando medicação anticoagulante (como ácido acetilsalicílico)
devem interromper o uso dessas drogas por um período de
tempo apropriado antes da realização da LEOC. Infecção urinária
não é contra-indicação absoluta de LEOC, entretanto o
ideal é que se institua o tratamento apropriado antes do procedimento.
Pacientes com sinais sistêmicos de infecção não devem
realizar LEOC antes de serem estabilizados do ponto de
vista clínico.
Entre as contra-indicações relativas podemos citar: aneurismas
de aorta abdominal, presença de marcapasso e obesidade.
As complicações mais freqüentes da LEOC dizem respeito
a sangramento. A maior parte dos pacientes apresenta,
após o procedimento, sangramento urinário que geralmente
cessa espontaneamente e não requer nenhum tipo de intervenção.
Hematoma renal ou perinefrético ocorre mais raramente,
geralmente em pacientes fazendo uso de anticoagulantes.
Outra complicação freqüente é a obstrução ureteral por
fragmentos de cálculos, chamada “steinstrasse”, expressão alemã
que significa “rua de cálculos”. Sua ocorrência é mais freqüente
em cálculos de maior volume. O cateterismo ureteral
com cateteres tipo duplo-J é freqüentemente realizado com o
objetivo de prevenir esta complicação. Entretanto, trabalhos
recentes mostram que não existem vantagens em realizar cateterismo
ureteral na maior parte dos cálculos de até 2 cm.
Como veremos a seguir, os cálculos de até 2 cm são os que
possuem melhor indicação para LEOC.
Apesar de questionado, não há até o momento nenhum
trabalho que mostre relação de causa e efeito entre LEOC e o
aparecimento de hipertensão arterial.
Nefrolitotripsia percutânea (NLPC)
A NLPC foi introduzida no meio urológico como uma
alternativa à cirurgia aberta no tratamento da litíase renal.
Após o aparecimento da LEOC, a NLPC ficou reservada para
o tratamento de casos mais complexos de litíase urinária, como
cálculos coraliformes ou associados a lesões obstrutivas.
A NLPC apresenta excelentes resultados no que se refere
a tornar os pacientes livres de cálculo, mas tem a desvantagem
de necessitar de internação hospitalar e anestesia. Além
disso, como trata-se de procedimento invasivo, a NLPC apresenta
maior morbidade que a LEOC.
A lesão vascular seguida de sangramento importante é a
mais grave complicação da NLPC. Também podem ocorrer:
pneumotórax, derrame pleural, lesão pulmonar, urosepse e desequilíbrio
hidroeletrolítico secundário à absorção de líquidos.
Ureterorrenoscopia
A ureterorrenoscopia consiste na introdução no rim de
um ureterorrenoscópio rígido ou flexível por via retrógrada
através do óstio.
Apesar de necessitar de internação e anestesia, a ureterorrenoscopia
é uma opção atraente no tratamento dos cálculos
renais de pequeno volume que tenham mau prognóstico
com LEOC, já que é bem menos invasiva que a NLPC.
A complicação mais freqüente da ureterorrenoscopia é a
perfuração do ureter, que na maioria das vezes requer apenas
tratamento conservador. Pode ocorrer também lesão dos vasos
pélvicos.
Cirurgia renal
Já foi o único tratamento disponível de litíase renal. Com
o aparecimento das técnicas endourológicas e, mais recentemente,
da LEOC, a cirurgia aberta ficou reservada para casos bastante
complexos ou para pacientes com rins com perda de função secundária
à doença calculosa, candidatos à nefrectomia.
As indicações atuais de cirurgia aberta no tratamento da
litíase urinária incluem: cálculos coraliformes de grandes dimensões
que não podem ser tratados de forma eficiente por
NLPC, necessidade de nefrectomia parcial concomitante à
retirada do cálculo e nefrectomia para rins sem função.
As formas mais comuns de cirurgia são:
• Pielolitotomia - Constitui-se na retirada do cálculo através
de incisão feita na face posterior da pelve renal.
Ficou praticamente abandonada após o aparecimento
da LEOC e da NLPC.
• Nefrolitotomia anatrófica - Realizada para o tratamento
de cálculos coraliformes não-passíveis de tratamento
por NLPC. É realizada através de uma incisão
(nefrotomia) na borda lateral (convexa) do rim,
geralmente precedida por clampeamento arterial e
resfriamento do rim com gelo. Após a retirada dos
cálculos e realização de hemostasia, promove-se a
reperfusão do rim, fechamento do sistema coletor e
da cápsula renal.
Escolha do tratamento ideal
A escolha do método de tratamento ideal para cada caso
leva em conta aspectos relacionados ao cálculo e ao paciente.
Assim, a idade, o tipo físico, o estado de saúde, o tipo de atividade
profissional e as preferências de cada paciente devem
ser consideradas.
Quanto ao cálculo, sua localização, tamanho, composição
e aspecto radiográfico são fatores que podem alterar de
forma significativa os resultados de cada uma das técnicas
empregadas.
Cálculo calicinal
Após a introdução da LEOC, a maior parte dos cálculos
localizados nos cálices pôde ser tratada através desta técnica.
Entretanto, alguns aspectos importantes devem ser levados em
consideração ao indicar o tratamento.
A maior parte dos cálculos calicinais é de pequeno tamanho
(menores que 4 mm) e não necessitam de nenhuma forma
de tratamento, tendo em vista a grande probabilidade de serem
eliminados espontaneamente se não houver obstrução ao
fluxo urinário. Entretanto, um estudo sobre a história natural
dos cálculos calicinais mostrou que 68% dos pacientes apresentaram
sintomas de infecção urinária e 51% apresentaram
dor em um período de cinco anos de acompanhamento. Os
autores concluem que 80% dos pacientes com cálculos calicinais
irá necessitar de alguma forma de tratamento em cinco
anos e que após este período de acompanhamento, a eliminação
espontânea do cálculo é bastante improvável.
Um fato relativamente comum é o paciente portador de
pequenos cálculos calicinais não associados a infecção ou obstrução
urinária que queixa-se de dor lombar. Esses pacientes
devem ser tratados conservadoramente, com acompanhamento
periódico através de exames de urina e ultra-sonografia.
Alguns centros de tratamento de litíase indicam LEOC do cálculo
(ou do grupamento calicinal no qual o cálculo está contido,
quando este não é eficazmente localizado durante o procedimento).
Entretanto, é importante a noção de que o cálculo
calicinal geralmente não é o responsável pela dor e que
esta pode não melhorar após a LEOC.
Quando houver indicação de tratamento, a LEOC é o
método de escolha para os cálculos calicinais de até 2 cm não
localizados nos cálices inferiores (ver adiante). Cálculos maiores
que 2 cm apresentam resultados precários quando tratados
com LEOC e constituem indicação de NLPC. Entretanto, cálculos
associados a divertículo calicinal ou estenose de infundíbulo,
ainda que menores que 2 cm, devem ser tratados por
via percutânea, tendo em vista os maus resultados obtidos com
LEOC e a possibilidade de resolução concomitante das duas
patologias a um só tempo.
senta índices mais baixos de pacientes livres de cálculo e maior
índice de retratamento. Várias técnicas foram tentadas para
melhorar a eliminação de fragmentos após a LEOC, entre elas
a terapia de inversão (onde o paciente era colocado de cabeça
para baixo após a LEOC), instilação de soro fisiológico no
sistema coletor através de cateter ureteral tipo cobra ou por
punção percutânea, e sessões de punho percussão sobre o rim
submetido ao procedimento. Nenhuma destas técnicas teve uso
clínico ou se mostrou eficaz na diminuição do número de pacientes
com litíase residual. Apesar de freqüente, a colocação
de cateteres ureterais tipo duplo-J não previne as complicações
secundárias à LEOC e parece piorar os sintomas e dificultar
a passagem dos fragmentos.
Além do fator gravitacional, alguns aspectos anatômicos
têm sido implicados na retenção de fragmentos de cálculo após
a LEOC no pólo inferior. Nosso grupo foi o primeiro na literatura
internacional a correlacionar os achados anatômicos do
pólo inferior com os resultados da LEOC. A presença de múltiplos
cálices drenando o pólo inferior, um infundíbulo longo
e estreito e um ângulo infundíbulo-pélvico (AIP) menor que
90º poderiam estar associados a uma tendência maior de retenção
de fragmentos após a LEOC.
Correlacionando os resultados da LEOC com o AIP em
74 pacientes, Sampaio et al. (1997) encontraram 74% dos pacientes
com ângulo obtuso (maior que 90º) livres de cálculo.
Cálculos do pólo inferior
Os cálices do pólo inferior são o local mais freqüente de
litíase renal. Cerca de 48% de todos os cálculos renais estão aí
localizados. O tratamento dos cálculos localizados nos cálices
do pólo inferior do rim constituem uma área de grande
controvérsia em urologia. Sabe-se que a LEOC quando aplicada
para tratamento de cálculos nessa região apresenta resultados
bem inferiores àqueles de cálculos do pólo superior, terço
médio do rim e pelve renal, principalmente quando se leva
em conta o tamanho do cálculo (tabela 1).
Elbahnasy et al. (1998) avaliaram 21 pacientes com cálculos
de até 1,5 cm submetidos à LEOC considerando o comprimento,
a largura do infundíbulo e o AIP, analisados através
de urografia excretora. Os pacientes que se tornaram livres de
cálculo tinham infundíbulos mais curtos (32 versus 38 mm),
mais largos (8,0 versus 5,8 mm) e AIP maiores que os pacientes
que permaneceram com fragmentos residuais (75º versus
51º). A presença de um AIP maior que 90º ou de um infundíbulo
curto e largo, independente do AIP, estava associada a
bons resultados após a LEOC. Dos pacientes com AIP maior
que 90º (12%), todos ficaram livres de cálculos. Quando os
três fatores de risco estavam presentes (AIP menor que 90º,
infundíbulo longo e estreito) apenas 17% dos pacientes ficaram
livres de cálculo. Assim, a análise da anatomia do pólo
inferior é de fundamental importância na escolha do tratamento
desse tipo de cálculo.
A NLPC apresenta ótimos resultados no tratamento desse
tipo de litíase, já que não é dependente da anatomia renal
(tabela 2). Mais recentemente, a ureterorenoscopia tem sido
empregada para o tratamento da litíase do pólo inferior e vem
apresentando bons resultados para cálculos de até 1,5 cm.
Assim como para tratamento com a NLPC, a anatomia renal
parece não interferir nos resultados obtidos com ureterorenoscopia.
Em conseqüência, cálculos maiores que 2 cm no pólo
inferior devem ser tratados primariamente por NLPC, já que
os resultados com LEOC são ruins e estão associados a maiores
taxas de complicação e maior custo. Pacientes com cálculos
menores que 2 cm e que possuam fatores desfavoráveis
para a realização de LEOC (AIP menor que 90º, infundíbulo
longo e estreito) têm grande possibilidade de permanecer com
fragmentos residuais, mesmo quando submetidos a várias sessões
de LEOC, devendo portanto submeter-se a outra forma
de tratamento primário. A ureterorrenoscopia para cálculos
de até 1,5 cm é uma forma eficaz de tratamento, já que apresenta
resultados semelhantes à NLPC com menor morbidade,
sendo portanto um método atraente em pacientes com anatomia
renal desfavorável à LEOC (figura 3).
A LEOC é o método de escolha para cálculos menores
que 2 cm, localizados em unidades renais que apresentem anatomia
favorável à eliminação dos fragmentos, conforme descrito
anteriormente.
Cálculos de pelve renal
Os cálculos de pelve renal de até 2 cm podem ser tratados
de forma eficiente por LEOC. A presença de uma interface
líquida na região da pelve renal faz com que a LEOC
apresente excelentes resultados para o tratamento da litíase
desta região. Cálculos maiores que 2 cm estão associados a
grande incidência de fragmentos residuais, obstrução ureteral
e necessidade de retratamento quando submetidos à LEOC.
Nesta situação, a NLPC é o tratamento de escolha, atingindo
índices muito altos de pacientes que se livram de cálculo.
Pacientes com litíase em pelve renal associada a dilatação
acentuada do sistema coletor devem ser submetidos primariamente
a NLPC. A LEOC neste casos, além de apresentar
resultados precários, pode transformar um cálculo único
em diversos cálculos menores, localizados em diversos cálices,
problema que geralmente é de difícil solução.
Cálculos coraliformes
Cálculos coraliformes são definidos como aqueles que
ocupam toda a pelve renal e pelo menos um infundíbulo de
um cálice. Estão associados a infecção urinária crônica por
germes produtores de urease, principalmente por Proteus e
Klebsiella, e geralmente são compostos por estruvita (fosfato
amônio-magnesiano).
São geralmente oligossintomáticos e seu diagnóstico é
realizado muitas vezes durante a investigação diagnóstica de
uma dor lombar ou de uma infecção urinária de repetição.
Como apresentam quadro clínico muito pobre, os cálculos coraliformes
foram tratados conservadoramente durante muito
tempo. Posteriormente, verificou-se que a permanência de
cálculos coraliformes não-tratados estava associada à perda
progressiva da função renal. Assim, todos os pacientes portadores
de cálculo coraliforme devem ser submetidos à retirada
do cálculo, a menos que existam contra-indicações para a intervenção.
O tratamento do cálculo coraliforme deve ter dois objetivos:
preservar a função renal e deixar o paciente livre de cálculos.
A presença de fragmentos residuais após o tratamento
deste tipo de cálculo está associada à perpetuação da infecção
e, portanto, a novo crescimento do cálculo.
A utilização da LEOC como monoterapia no tratamento
de cálculos coraliformes de grande volume apresenta índices
muito baixos de sucesso (pacientes “livres de cálculo”). Apenas
50% dos pacientes ficam livres de cálculo após a LEOC,
valor que pode cair para 22% quando se consideram coraliformes
de grande volume. A monoterapia com a LEOC apresenta
elevado índice de complicações, com necessidade de procedimentos
auxiliares (nefrostomia percutânea e/ou cateterismo
ureteral) além de alto custo e desconforto para o paciente,
pela necessidade de número elevado de sessões para fragmentação
completa do cálculo.
Dessa forma, o tratamento de cálculos coraliformes por
LEOC pode ser realizado para cálculos de, no máximo, 500
mm2, o que corresponde a um cálculo de aproximadamente
2,5 cm de diâmetro.
A NLPC é a opção mais atraente para o tratamento de
cálculos coraliformes, e apresenta bons índices de pacientes
livres de cálculo. A associação de NLPC seguida de LEOC
em cálculos grandes torna possível a realização de um número
menor de punções percutâneas e menos sessões de LEOC
para obter-se a fragmentação completa do cálculo. Dessa forma,
diminui-se o índice de complicações e aumenta-se o número
de pacientes livres de cálculo. Uma segunda sessão de
NLPC pode ser realizada caso restem fragmentos após a LEOC,
tratamento que recebe o nome de terapia sanduíche. A utilização
de terapia sanduíche minimiza a incidência de cálculo residual
e a necessidade de nefrostomia por tempo prolongado
no pós-operatório. Um estudo prospectivo com 48 pacientes
portadores de cálculos coraliformes de grande volume, comparando
monoterapia com LEOC e terapia combinada
(NLPC seguida de LEOC de 48 a 72 horas após) mostrou
índices de pacientes livres de cálculo de 22% e 74% respectivamente.
Além disso, o índice de complicações, a necessidade
de procedimentos auxiliares e o tempo de tratamento
foram maiores para o grupo de pacientes submetidos
somente à LEOC.
Com o grande refinamento das técnicas endourológicas,
a cirurgia aberta (nefrolitotomia anatrófica) ficou reservada
para casos que necessitem de mais de três punções percutâneas
para a realização da NLPC e/ou nos quais os fragmentos
residuais não possam ser tratados por um número aceitável de
sessões de LEOC. A cirurgia aberta apresenta índices de até
100% de pacientes livres de cálculo, mas sua elevada morbidade
faz com que fique reservada para situações especiais (cálculos
gigantes, rim único, anomalias anatômicas importantes,
etc.) (figura 4).
Além disso, pacientes portadores de cálculos de estruvita
devem ser rigorosamente acompanhados após o tratamento,
com realização de urinoculturas e radiografias simples de abdome
para detecção de reinfecção e recidiva dos cálculos. Profilaxia
antibiótica por tempo prolongado (seis meses a um ano)
e a acidificação da urina devem fazer parte do tratamento a
longo prazo dessa condição.
Tratamento clínico da litíase urinária
Nem todos os pacientes portadores de litíase urinária devem
realizar alguma forma de investigação e tratamento adicional.
O índice de recidiva de doença renal calculosa situa-se
em torno de 50%. Na maioria dos casos, apenas medidas simples
como o aumento da ingesta hídrica e modificação dos
hábitos alimentares são necessárias. Entretanto, para pacientes
com alto risco de recidiva (como crianças, homens entre
20 e 50 anos e história familiar importante de litíase) uma
avaliação mais completa deve ser realizada.
Avaliação metabólica
Tem como objetivo verificar se existe algum distúrbio
metabólico responsável pelo aparecimento da litíase. Deve incluir:
• Exames de sangue - Hemograma completo, uréia, creatinina,
dosagem de proteínas séricas, eletrólitos (sódio,
potássio, cloro, bicarbonato, cálcio, magnésio e fósforo),
dosagem de paratormônio e vitamina D.
• Urina - Elementos anormais, sedimentoscopia e urinocultura.
• Urina de 24 horas - Volume, “clearance” de creatinina,
sódio e potássio urinários, dosagem de cálcio, magnésio,
fosfato, oxalato, citrato e ácido úrico.
• Análise mineralográfica do cálculo quando possível.
Tratamento
Grande parte dos pacientes portadores de litíase pode ser
tratada de forma conservadora. O simples aumento da ingesta
hídrica pode diminuir em até 60% a taxa de formação de cálculo.
Todos os pacientes devem ser orientados a manter um
débito urinário de, no mínimo, 2,5 a 3 litros por dia. Além
disso, todas as drogas que podem levar à formação de cálculo
devem ter seu uso interrompido.
A seguir, serão discutidas as principais formas de tratamento
clínico dos principais tipos de cálculos urinários.
Cálculos de oxalato de cálcio - A causa mais comum,
como já foi visto, é a hipercalciúria idiopática, principalmente
por aumento da absorção intestinal (hipercalciúria absortiva).
Além de dieta com baixo teor de cálcio e oxalato, o uso de
diuréticos tiazídicos pode estar indicado. Pode-se acrescentar
citrato de potássio em pacientes com hipocitratúria associada.
Para pacientes com hipercalciúria reabsortiva (em conseqüência
de hiperparatireoidismo) a paratireoidectomia é o melhor
tratamento.
Cálculos de ácido úrico - Podem ser dissolvidos por tratamento
clínico antes de se instituir terapia com LEOC ou cirurgia.
O tratamento fundamenta-se em dois pontos principais:
alcalinizar a urina e diminuir a quantidade de ácido úrico
na urina. A alcalinização eficaz pode ser conseguida com a
administração de citrato de potássio ou bicarbonato de sódio,
sempre associados ao aumento da ingesta hídrica. A redução
da produção de ácido úrico pode ser feita por dieta pobre em
purina (evitando-se peixes e crustáceos, carnes vermelhas e
bebidas alcoólicas) ou através da administração de inibidores
da xantina-oxidase (alopurinol).
Cálculos de estruvita - Seu tratamento é direcionado para
manutenção de uma urina estéril. Assim, cultura urinária de
rotina, tratamento rápido e eficaz das infecções urinárias, acidificação
da urina e profilaxia com antibióticos, quando indicada,
fazem parte do tratamento clínico desta forma de litíase.
Cálculos de sulfato de indinavir - precipitam em pH
urinário fisiológico, aumentando sua solubilidade em mais de
três mil vezes, com pH abaixo de 3,5. Entretanto, do ponto de
vista clínico, é inviável alcançar este pH tão baixo.