Ureterocele  

INTRODUÇÃO

 

A ureterocele é definida como uma dilatação cística do ureter submucoso intra-vesical, cuja etiologia ainda não está bem definida. É muito importante diagnosticá-la precocemente, pois pode acarretar infecção urinária de repetição e septicemia. Embora o tratamento da ureterocele seja eminentemente cirúrgico, o tipo de procedimento a ser empregado é motivo de muita controvérsia.

 

 

CLASSIFICAÇÃO

 

 A ureterocele pode ser classificada como:

  1.  Intra-vesical, quando localizada inteiramente dentro da bexiga, e
  2.  Ectópica, quando situada no colo vesical ou na uretra.

 

 

Outra classificação, desenvolvida por Stephens e também bastante utilizada, divide a ureterocele em quatro categorias:

 

 1) estenótica – inteiramente intra-vesical, com orifício estenótico;

 2) esfinctérica – o orifício localiza-se no esfíncter interno da uretra e o esvaziamento ocorre somente durante a micção;

 3) esfinctero-estenótica – o orifício também desemboca no esfíncter interno da uretra mas, por seu caráter estenótico, não esvazia durante a micção;

 4) cecoureterocele – o orifício ureteral é intra-vesical, mas a ureterocele se estende até a uretra em fundo cego.

 

 

Com relação à lateralidade, o lado esquerdo é mais afetado que o direito e, aproximadamente, 10% são bilaterais. Em crianças, os casos de ureterocele ectópica variam entre 60% a 85%, 80% a 90% dos quais estão relacionados à duplicidade pieloureteral ipsilateral. Entre as ureteroceles intra-vesicais, aquelas que apresentam sistema único são mais comuns do que as que apresentam duplicidade, em uma razão de aproximadamente 7:3. Geralmente, a ureterocele com sistema único é intra-vesical e ocorre mais em meninos.

 

QUADRO CLÍNICO

 

A infecção do trato urinário continua sendo a forma de apresentação clínica mais frequente. Esse quadro às vezes se agrava em decorrência da infecção urinária ocorrer em um sistema obstruído, podendo levar à septicemia. Outras vezes, a sintomatologia é inespecífica, como alterações gastrointestinais, retardo no crescimento da criança, dor no flanco ou hematúria. Incontinência urinária, quando presente, é, em geral, causada por infecção urinária ou, mais raramente, está relacionada a uma ureterocele extensa que distorce o colo vesical, provocando perda urinária. Retenção urinária por obstrução do colo vesical pela ureterocele também pode ocorrer. O prolapso da ureterocele, visível no intróito vaginal em 5% a 10% dos casos, é a causa mais freqüente de obstrução uretral em meninas. Mais recentemente, com a disseminação da ultrassonografia, o diagnóstico da ureterocele tem sido realizado no período antenatal. O diagnóstico neste período apresenta peculiaridades no manuseio destes pacientes no período pós-natal. Os estudos de imagem têm influenciado decisivamente no tratamento da ureterocele.

 

EXAMES

 

 

O primeiro exame a ser realizado deve ser a ultrassonografia, que pode identificar um sistema coletor duplicado, um ureter dilatado decorrente de um pólo superior hidronefrótico, podendo ser hiperecogênico por displasia, e associado a um parênquima de espessura reduzida. Algumas vezes, principalmente nos casos de diagnóstico antenatal e recém-natos, o sistema renal duplo é visto na ultrassonografia como uma imagem cística localizada na porção renal superior.

O sistema pielocalicial inferior pode estar dilatado se houver refluxo para esta unidade ou obstrução do meato ureteral desta unidade pela ureterocele. A ureterocele apresenta-se como uma dilatação cística com paredes finas, associada à porção posterior da bexiga. Entretanto, algumas ureteroceles podem não ser visualizadas na ultrassonografia, principalmente se a bexiga estiver muito distendida (ocorre colapso da ureterocele). É importante ressaltar que, em toda criança com duplicidade pieloureteral e polo renal superior dilatado, deve-se inspecionar cuidadosamente a bexiga, pesquisando ureterocele.

 

 

A urografia excretora:  é comum a descricão do ureter terminal em forma de cabeça de cobra. Tem sido pouco utilizada no diagnóstico da ureterocele e na avaliação da função renal, tendo em vista a eficiência dos outros métodos de imagem, como o ultrassom e a cintilografia renal radioisotópica.

 

 

A uretrocistografia miccional (UCM) é um exame importante na avaliação diagnóstica da ureterocele porque pode demonstrar seu tamanho e localização, assim como a presença de refluxo vésico-ureteral (RVU). A presença e o grau do refluxo podem influenciar diretamente o tratamento.

O RVU para a unidade inferior é detectado em 50% dos casos, enquanto que para o ureter contralateral é visto em 25%. O refluxo para a ureterocele ocorre em 10% dos pacientes e é mais comum quando há duplicidade ureteral associada e o ureter é ectópico do tipo esfinctérico ou cecoureterocele. As imagens da UCM devem ser obtidas desde o início do enchimento vesical, evitando-se o diagnóstico falso-negativo por uma bexiga muito distendida e ureterocele colapsada. A ureterocele, quando evertida, pode ser confundida com divertículo vesical. A diferenciação dá-se pela obtenção de imagens em diferentes fases de enchimento e em diferentes posições.

 

 

 

A cintilografia renal com DMSA é frequentemente realizada e avalia a função do polo superior obstruído.

 

Por outro lado, a cintilografia dinâmica com DTPA ou MAG-3 pode avaliar o grau de obstrução. A avaliação da função é de fundamental importância porque define se a unidade superior merece ou não ser preservada. Nos casos onde a função do polo superior está muito comprometida, a associação com displasia é a regra, e raramente ocorre melhora com o tratamento conservador.

 

Outros: Tomografia computadorizada.

 

 

TRATAMENTO

 

A ureterocele apresenta-se de forma variável. Isso dificulta a utilização de algoritmos e faz com que o tratamento seja individualizado. Há várias formas de tratamento preconizadas. Em linhas gerais, o tratamento depende do tipo de ureterocele (intra-vesical ou ectópica), da função que apresenta o pólo renal superior (nos casos de duplicidade) e do quadro clínico de apresentação.

Nos casos em que há duplicidade, o pólo superior renal pode ser preservado ou extirpado cirurgicamente. Já o tratamento da ureterocele, propriamente dita, vai variar de acordo com a sua localização, se intra-vesical ou ectópica. Outras variáveis, como a presença de RVU associado ou a eversão da ureterocele, também influenciam na propedêutica.

 

 

A - Polo superior renal funcionante

 

No caso de pólo superior renal funcionante, esforços devem ser feitos para preservá-lo. Isto pode ser alcançado por meio de punção endoscópica na base da ureterocele ou por meio de cirurgias reconstrutivas do trato urinário superior, em que estão incluídas a ureteropielostomia, a ureteroureterostomia (proximal ou terminal) e a ureteroneocistostomia.

A incisão endoscópica é o procedimento de escolha nos casos de ureterocele intravesical. É um método minimamente invasivo e pode ser definitivo em até 90% dos casos com taxa de reoperação de apenas 18%3. Entretanto, seus resultados no tratamento da ureterocele ectópica não são muito satisfatórios. Neste caso, a incisão endoscópica falha em descomprimir a ureterocele em 10% a 25% dos casos. Em

30% a 47% ocorrem RVU persistente e a taxa de reoperação é elevada, podendo chegar a 100%. Estes resultados, sem dúvida, são inferiores aos alcançados pela reconstrução do trato superior, em que quase todas as ureteroceles são descomprimidas satisfatoriamente e a taxa de reoperação é em torno de 25%.

 

B - Polo superior não-funcionante

 

Há duas condutas comumente utilizadas quando o pólo superior não é funcionante: a conservação ou a exérese cirúrgica do mesmo.

Alguns preconizam a incisão endoscópica da ureterocele, preservando-se o pólo superior. As vantagens teóricas deste procedimento minimamente invasivo são melhorar a função da unidade renal afetada e reduzir o risco de infecção urinária e sepse. Contudo, essas vantagens são pouco observadas na prática. Além disso, apesar de ser um método minimamente invasivo, o índice de reoperações no caso de ureteroceles ectópicas é extremamente elevado. Apesar de alguns estudos sugerirem que pode haver melhora da função renal da unidade superior depois da descompressão, utilizaram a urografia excretora como método de avaliação, não havendo, portanto, um parâmetro objetivo da função renal pré e pós-procedimento.

Estudos histológicos de 50 unidades renais, depois da excisão do pólo superior, demonstraram que apenas um paciente apresentou histologia normal, sendo que os demais apresentaram alterações importantes e irreversíveis, sendo a displasia encontrada em 70% dos casos. Não demonstraram diferença histológica significativa quando o diagnóstico era ante ou pós-natal. Ainda não se conhecem os riscos a longo prazo da preservação de sistemas dilatados e displásicos.

Sendo assim, nos casos de unidade renal superior não-funcionante, devido ao caráter irreversível das lesões, um tratamento conservador não estaria indicado, mesmo naquelas ureteroceles descobertas no período antenatal.

A ureterocele ectópica com unidade superior não-funcionante deve ser tratada por

nefrectomia parcial, com aspiração do coto ureteral, promovendo-se o colabamento da ureterocele. A nefrectomia parcial pode ser realizada facilmente em crianças, com baixa morbidade e rápida recuperação pós-operatória.

Em estudo de 87 pacientes com ureterocele submetidos à nefroureterectomia parcial, evidenciou-se taxa de reoperação nula, quando não havia refluxo associado; de 40%, quando havia refluxo de baixo grau (menor que grau III) para apenas uma unidade; e de 96%, quando o refluxo foi de alto grau ou envolvendo mais de uma unidade. Este estudo demonstra que pacientes com ureterocele associada a RVU de alto grau ou que envolve mais de uma unidade se beneficiam da reconstrução cirúrgica completa, ou seja, além da nefroureterectomia parcial, excisa-se a ureterocele e a porção terminal do ureter, reconstrói-se a base vesical e reimplanta-se a unidade inferior.

Pacientes com eversão da ureterocele também devem ser tratados com reconstrução completa. A cirurgia combinada pode ser efetuada em dois estágios: primeiro procede-se a nefrectomia parcial, prorrogando-se a reconstrução ureterovesical para quando a criança estiver com idade mais avançada.

As figuras 1 a 4 demonstram algoritmo de conduta para ureterocele em caso de pólo superior funcionante ou não-funcionante.

 

Conduta para ureterocele com pólo superior funcionante:

 

1 SEM RVU para pólo inferior após punção endoscópica:

- Drenagem Efetiva: Acompanhamento

- Drenagem Ineficaz: Ureteropielostomia

 

 

2 COM RVU para pólo inferior após punção endoscópica:

A • Ureterocele colaba

   Resolução do RVU

   Drenagem efetiva

   Pólo superior

Conduta: Acompanhamento

 

B Não resolve RVU inferior e/ou aparece RVU superior após punção

Conduta: Cirurgia aberta, reimplante ureteral

 

 

 

Conduta para ureterocele com pólo superior não-funcionante

 

SEM RVU para pólo inferior submetido a nefrectomia polar + aspiração do ureter:

A Ureterocele colaba: Acompanhamento

B Ureterocele não colaba (obstrução ou ITU): Ressecção da ureterocele com reimplante ureteral

 

Conduta para ureterocele com pólo superior funcionante

 

 

COM RVU para pólo inferior submetido  a nefrectomia polar + aspiração do ureter:

A Ureterocele colaba, resolução do RVU: Acompanhamento

B Persiste RVU, ureterocele não colaba: Reimplante ureteral + Ressecção da ureterocele.