Estenose de junção pieloureteral  

 

INTRODUÇÃO

 

A obstrução da junção pieloureteral é definida como um processo de restrição ao fluxo urinário da pélvis renal para o ureter e, conforme o grau de obstrução, pode evoluir com perda progressiva da função renal.

Essa enfermidade era mais freqüentemente diagnosticada na infância e na adolescência após quadro clínico de dor abdominal ou lombar, hematúria, infecção urinária, sintomas gastrintestinais ou mesmo presença de tumoração abdominal.

Com o advento da ultra-sonografia, a obstrução da junção pieloureteral tem sido detectada no período antenatal e corresponde a 40% dos casos de hidronefrose. É mais freqüente no sexo masculino do que no feminino, na proporção de 2:1. Acomete com maior freqüência o lado esquerdo (60%). Pode ter ocorrência bilateral em 10% a 40% dos casos.

 

EXAMES

 

Ultrassom

 

 

 

O emprego rotineiro do ultrassom na avaliação e no monitoramento durante a fase gestacional contribuiu muito para o diagnóstico de hidronefrose antenatal. Por outro lado, trouxe um desafio muito  grande para o urologista pediátrico no tratamento dessa doença. No período pós-natal, esse exame pode ser realizado do terceiro ao quinto dia após o nascimento ou até no primeiro mês de vida e com ênfase ao tamanho do rim e da pélvis renal (diâmetro ântero-posterior), grau de dilatação, espessura do parênquima e presença de dilatação ureteral.

 

Urografia excretora

 

 

A urografia excretora é o método tradicionalmente utilizado na avaliação da hidronefrose. Ela fornece dados anatômicos que são importantes na escolha do acesso cirúrgico. Esse exame não avalia a função renal adequadamente. Além disso, tem o problema da irradiação e do contraste iodado empregado, tornando o exame mais invasivo. Portanto, a urografia pode ser substituída pela cintilografia renal.

 

Cintilografia renal

 

 

O DMSA avalia a função tubular, enquanto o renograma com DTPA, associado ao diurético, é o método mais utilizado em nosso meio para indicar presença de fator obstrutivo.

O renograma com MAG-3 tem a vantagem de oferecer uma definição anatômica melhor e pode ser indicado nos casos de função renal deprimida e em recém-nascidos. A desvantagem desse método baseia-se no custo maior e dificuldade na obtenção desse radiofármaco.

A avaliação da presença de fator obstrutivo por meio de métodos radioisotópicos é importante, porém, isoladamente não é indicativo na escolha do tratamento clínico ou cirúrgico.

 

Teste de fluxo-pressão de Withaker

 

O teste de fluxo-pressão descrito por Withaker, por ser um método invasivo, é pouco utilizado na avaliação dessa enfermidade.

 

Uretrocistografia miccional

 

A uretrocistografia miccional deverá ser solicitada visto que a associação com o refluxo vésico-ureteral pode ocorrer em 14% dos casos.

 

HISTÓRIA NATURAL

 

A história natural dos neonatos com hidronefrose assintomática tem mostrado que é uma condição de evolução benigna, com preservação da função renal e com resolução espontânea em 50% dos casos de hidronefrose antenatal. Isto pode ser devido às dobras no ureter que desaparecem com o crescimento da criança. Dados da literatura demonstram que apenas 22% dos casos de hidronefrose necessitaram de intervenção cirúrgica.

Existem controvérsias sobre a história natural da obstrução da junção pieloureteral, necessitando de esclarecimentos que possam ajudar na estratégia quanto ao tratamento adequado dessa enfermidade.

 

As evidências clínicas demonstram que:

 

a) muitos rins não têm obstrução, apesar da presença de hidronefrose grave;

b) seguimento rigoroso durante os primeiros dois anos é fundamental para o reconhecimento da presença de fator obstrutivo para intervenção cirúrgica;

c) nenhum dos testes para o diagnóstico de obstrução é absoluto para a indicação de cirurgia.

 

ACOMPANHAR OU OPERAR?

 

 

A maioria das crianças com diagnóstico inicial de obstrução da junção pieloureteral deve ser acompanhada clinicamente.

 

O protocolo a ser seguido baseia-se nos dados do diâmetro ântero-posterior da pélvis renal e do grau de dilatação determinado pela Sociedade de Urologia Fetal (SUF), associado ao estudo do renograma radioisotópico:

 

Hidronefrose leve (SFU grau 2, diâmetro AP de 15 mm ou menos). Tratamento conservador com antibioticoterapia por 6 meses;

Hidronefrose grave com boa função (SFU grau 3 ou mais, diâmetro AP > 15 mm, função renal > 40%). Tratamento conservador com antibioticoterapia profilática;

Hidronefrose grave com função deprimida (SFU grau 3 ou mais, diâmetro AP > 15 mm. Função renal < 40%). Tratamento conservador com antibioticoterapia profilática na maioria dos casos. Indicação cirúrgica individualizada;

Hidronefrose grave com função renal diminuída (SFU grau 4, diâmetro AP >20 mm, função renal < 40%. Tratamento cirúrgico

na maioria dos casos;

Hidronefrose bilateral. Em geral, o seguimento é similar à hidronefrose unilateral, porém, em hidronefrose grave bilateral, a indicação de cirurgia é mais provável.

 

O ultrassom não é um exame que faz o diagnóstico de obstrução, mas permite selecionar crianças em grupos que necessitarão de seguimento mais rigoroso ou de exames complementares, como o de radioisótopos, para oferecer a melhor opção terapêutica.

Nos casos de hidronefrose grave com função renal < 40%, com diâmetro AP maior que 15 mm (item 3), a opção do tratamento cirúrgico é uma alternativa real, porque, dependendo das condições socioeconômicas, a realização da ultrassonografia é operador-dependente e torna-se difícil ou quase impossível realizar controle trimestral nessas crianças. Portanto, a decisão conjunta com os pais é de fundamental importância para cada caso em particular.

A indicação do tratamento cirúrgico em crianças maiores com manifestação clínica, como dor em cólica, hematúria, sintomas gastrintestinais, infecção urinária e litíase, é preponderante.

Sugestão de roteiro de acompanhamento clínico.

 

Após o diagnóstico da obstrução de junção pieloureteral:

 

Hidronefrose leve (SFU grau 2, diâmetro AP de 15mm ou menos): ultrassonografia e renograma em seis meses e ultra-sonografia em um ano;

2-Hidronefrose grave com função renal > 40% (SFU grau 3 ou mais, diâmetro AP

> 15 mm): ultra-sonografia em 3 meses, renograma e ultra-sonografia em seis meses até dois anos ou mais de vida;

3-Hidronefrose grave com função renal < 40% (SFU grau 3 ou mais, diâmetro AP > 15mm): ultrassonografia e renograma a cada três meses para o primeiro ano e, cada seis meses, para o segundo ano.

 

TRATAMENTO

 

Os procedimentos para o tratamento cirúrgico da obstrução da junção ureteropiélica incluem a cirurgia aberta denominada pieloplastia desmembrada Anderson – Hynes, pieloplastia pela técnica Foley Y-V e a descrita técnica de flap em espiral.

A técnica mais utilizada é a Anderson-Hynes.

Novos métodos de tratamento incluem a pieloplastia laparoscópica e métodos de tratamento endourológicos por via retrógrada ou anterógrada.

 

Pieloplastia Aberta

 

 

A pieloplastia desmembrada descrita por Anderson e Hynes, em 1949, é a técnica mais empregada para a reconstrução da junção ureteropiélica. Essa técnica possibilita a retirada do segmento ureteropiélico patológico e a criação de uma transição entre a pelve renal e o ureter com formato afunilado, que permite a drenagem da urina de forma adequada. Essa técnica é utilizada em qualquer causa de obstrução seja ela por causa intrínseca, angulação causada por bandas fibrosas ou compressão extrínseca por vasos anômalos. Os critérios de indicação já foram abordados no item anterior.

Quando a urografia excretora não é realizada, pode ser indicada a pielografia retrógrada ou anterógrada previamente à cirurgia, com o objetivo de planejar o acesso cirúrgico.

 

Técnica cirúrgica:

 

 

Incisão: pode ser realizada a lombotomia posterior (este acesso que praticamente não secciona músculos, minimizando a dor no pós-operatório e possibilitando tratar casos bilaterais sem a mobilização do paciente). As contra-indicações desse acesso são: má-rotação renal, anomalias de fusão renal, ectopia renal, reoperações, segmento estenótico muito longo. Para a utilização dessa via de acesso deve-se estudar anatomicamente o ureter com urografia ou pielografia.

A incisão subcostal transversa extraperitoneal é a via de acesso preferencial por muitos autores, especialmente em crianças maiores e casos unilaterais. Com o paciente em decúbito lateral, coloca-se um coxim sob o flanco e eleva-se o lado a ser operado. Identifica-se a extremidade da 12ª costela e da 11ª costela. A incisão estende-se medialmente subcostal por 5 cm de comprimento. Os músculos são seccionados, a fáscia lombodorsal é incisada, o peritônio rebatido medialmente e a fáscia de Gerota aberta. Obtém-se exposição adequada após dissecção do ureter proximal, pelve e hilo renal. Em rins pélvicos, a incisão de Pfannestiel pode ser utilizada.

 

Pieloplastia

 

 

A dissecção do ureter proximal e da pelve renal deve ser limitada às áreas da reconstrução. O ureter normal, distal ao estreitamento, é incisado em sua face lateral. A colocação de um cateter no interior do ureter facilita a sutura da pelve renal ao ureter. Essa sutura pode ser com pontos simples separados ou contínua, sempre com os nós externos ao fluxo da urina. Utiliza-se fio absorvível preferencialmente 5-0 a 7-0.

Dreno laminar pode ser deixado nas proximidades da anastomose e exteriorizado por contra-incisão. Existe controvérsia quanto à utilização ou não de cateteres para a drenagem da urina.

Quando utilizada sonda de nefrostomia aberta, é recomendável utilizar concomitantemente um cateter transanastomótico para a manutenção da anastomose aberta. Outra possibilidade é a drenagem utilizando-se de um pielo-splint transanastomótico multiperfurado ou um cateter de drenagem interna do tipo duplo J.

O inconveniente da derivação interna é a necessidade de novo procedimento anestésico para a remoção por cistoscopia, um a dois meses após a pieloplastia.

Análise de 234 cirurgias realizadas em 227 crianças, sendo 108 menores de um ano de idade, mostrou que na maioria das pieloplastias não foi utilizada derivação com cateteres (86%). Os autores indicaram a utilização somente na cirurgia bilateral, rim único, reoperação, nefrostomia prévia, reimplante ureteral, urolitíase ou preferência pessoal do cirurgião. Como conclusão deste trabalho, os resultados apresentaram 95% de sucesso com a técnica sem a necessidade de derivação. Porém, é válido lembrar que a não utilização de derivação em pieloplastia pode resultar em drenagem de urina por tempo mais prolongado pelo dreno laminar. Caso o dreno não esteja bem locado, pode formar-se coleção de urina em retroperitônio, posterior fibrose, infecção e conseqüente nova obstrução da junção ureteropiélica. A persistente drenagem de urina pelo dreno laminar por mais do que duas semanas pode ser tratada com sucesso com a colocação de cateter ureteral por 48 a 72 horas, cateter duplo J de demora ou por nefrostomia percutânea.

O exame de 186 crianças submetidas à pieloplastia pela técnica de Anderson-Hynes, especialmente com análise por meio de renograma pré e pós-operatório, mostrou ser procedimento operatório seguro, revelando que na maioria das crianças ocorre a estabilização ou melhora da função renal.

A análise de 123 crianças submetidas à pieloplastia desmembrada com seguimento tardio mostrou 87% de melhora pelo renograma diurético e concluiu que o tempo de seguimento pós-operatório de dois anos é suficiente para considerar o sucesso da cirurgia.

Outra análise dos resultados da pieloplastia Anderson – Hynes realizadas em 56 pacientes, entre 1981 e 1994, concluiu destacando a técnica como “padrão ouro” com melhora em relação à função renal em 79% e na drenagem urinária em 96% dos casos.

 

Pieloplastia Laparoscópica

 

A pieloplastia laparoscópica em crianças foi realizada inicialmente por Craig Peters, em 1995, com técnica idêntica à cirurgia aberta em crianças do sexo masculino, com diagnóstico de obstrução da junção pieloureteral esquerda confirmada por pielografia retrógrada. A criança apresentou boa evolução, com retorno à suas atividades atléticas 10 dias após a cirurgia.

Este caso pioneiro demonstrou a viabilidade de realização do tratamento por via laparoscópica. Porém, desde então, poucos autores apresentam consistentes experiências. Outro trabalho relata 18 casos de crianças tratadas com sucesso de 87% e seguimento clínico máximo de quatro anos.

Em estudo comparativo, a pieloplastia aberta versus laparoscópica por meio de análise retrospectiva em 55 pacientes, no qual o resultado foi analisado pela urografia excretora e do renograma diurético, mostrou que as complicações e a morbidade vêm decrescendo com a via laparoscópica, dando-se preferência sempre para a técnica desmembrada.

Obviamente, pela falta ainda de seguimento clínico maior do que cinco anos e também pelo menor número de pacientes tratados pelo método, devemos concluir que a técnica de cirurgia aberta ainda é a mais recomendada e eficaz.

 

Métodos Endourológicos

 

Alguns estudos em meados da década de 90 tentam introduzir o tratamento endoscópico retrógrado por dilatação ureteral com balão em crianças. A técnica preconiza a introdução de fio-guia 0,45 mm e cateter ureteral de 3,8 FR com sistema de balão que se dilata a uma pressão de 8 bar. Quando locado, deixa-se o balão dilatado por três minutos e, após isto, introduz-se cateter duplo J 4,8 Fr.

A principal causa de falha deste procedimento é a dificuldade em cateterização ureteral na passagem da JUV ou da junção pieloureteral. A alta incidência de recorrência da doença quando tratada pelo método como demonstrado por Sugita et al., em 1996, transforma-o ainda como em investigação e com reduzidos índices de sucesso.

 

Endopielotomia Anterógrada

 

 

A endopielotomia anterógrada pode ser indicada em crianças maiores e recomendada para casos com boa função renal, moderada hidronefrose e sem evidência de vasos anômalos.

A tomografia computadorizada ou a ressonância nuclear magnética podem ser úteis para afastar a presença do cruzamento de vasos ao nível da junção pieloureteral.

Essa técnica requer acesso renal por via percutânea e de preferência pelo cálice médio posterior. A visibilização direta da obstrução permite a utilização de faca fria, eletrocautério ou laser para realização da incisão e abertura da junção pieloureteral. O índice de sucesso pode atingir até 85% dos casos tratados. Pode ser método preferencial em recidivas após cirurgia aberta.